É aconselhável o uso de iscas?

Gostaríamos de comentar o interessante artigo assinado por D.G. Rocha, et al, no Journal of Zoology, da Sociedade Zoológica de Londres, 2016, com o seguinte título:"Baiting for carnivores might negatively affect capture rates of prey species in camera-trap studies", ou seja;"O uso de isca para os carnívoros pode afetar negativamente as taxas de capturade espécies de presas, nos estudos de armadilhagem fotográfica".

Neste artigo comenta-se que nos estudos de identificação de carnívoros de médio e grande porte por armadilhas fotográficas, devido às suas baixas densidades, as iscas são frequentemente utilizadas como atrativos, para aumentar o número de registos fotográficos, que de outra forma seriam escassos.

Para este fim, foram colocadas várias câmeras de armadilhas fotográficas na área central da Amazônia brasileira e estudou-se o efeito de uma isca, habitual nestes estudos, como uma mistura de sardinhas frescas com ovo. O objetivo era verificar se os registos de carnívoros e suas espécies de presas aumentavam ou não com este atrativo, e se a qualidade dos registos/identificações dos indivíduos aumentava com o uso da isca.

Bem, eles descobriram que, embora os registos de carnívoros tenham aumentado com o uso de isca, não houve um aumento no número de indivíduos identificados. Ou seja, os animais ainda eram os mesmos que foram registados pelas câmeras sem isca, mas foram fotografados em mais ocasiões, portanto não serviu como uma vantagem para a identificação individual dos carnívoros.

Verificou-se também que o número de registos de espécies de presas diminuiu claramente nas estações de armadilhas fotográficas onde se utilizava a isca. Em conclusão, os autores recomendam que o uso de iscas em estudos de armadilhas fotográficas deva ser cuidadosamente estudado.

Isso me leva a refletir sobre algo que venho discutindo há muitos anos em cursos, artigos e comentários com adeptos das armadilhas fotográficas. Não devemos fazer o que as pessoas fazem, só porque parece normal, mas ter o nosso próprio critério e reflexionar sobre isso antes de fazer actividades de armadilhas fotográficas.

Dependendo do objetivo, claro, podemos ou não ter mais condicionantes de design. Não é a mesma coisa colocar a câmera para ver o que aparece por ela, pelo prazer de observar a fauna, que embarcar num estudo mais profundo sobre a composição, estrutura e dinâmica das populações faunísticas. Portanto, estes aspectos só podem ser questões éticas ou metodológicas.

É verdade que com a isca é mais rápido que algumas espécies apareçam na frente da câmera, nos primeiros dias, mas a longo prazo veremos também como o possível efeito de atração diminui e os animais começam a desfilar na frente da câmera sem problemas. Então por que colocamos a isca? É talvez o que nos mandam fazer?

Na minha opinião, a armadilhagem fotográfica é uma forma de poder ver o que acontece na natureza sem estar lá. Portanto, não devemos tentar ver uma natureza condicionada, transformada, adulterada, mas ver o que acontece de uma forma natural, sem intervenções.

Em resumo, a menos que seja essencial, por razões justificadas, acho que devemos parar de colocar iscas na frente das câmeras, porque elas afetam os resultados, porque são prejudiciais aos animais, transformam seu comportamento e, acima de tudo, porque devemos ser respeitosos com o que amamos.

 

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